Essa poesia é um manifesto que intenciona:
Produzir a vida.
Destruir as incoerências, mas compreender que as contradições fazem parte da natureza
humana.
Promover o silenciamento da voz do opressor e fazer uma ode ao Continente que teve a
sua história silenciada e contada a partir de lábios imperialistas.
Denunciar o caráter colonial, latente na sociedade brasileira, que torna as domésticas
invisíveis enquanto pessoas, mas visíveis enquanto força de trabalho braçal.
Alertar aos senhores e senhoras de engenho para que abandonem o conforto da casa
grande, pois, assim como as nossas antepassadas e antepassados,
Vamos atear fogo em sua morada!
Rogo-te, pois que salve a tua alma a tempo!
Que a besta imunda personificada na eugenia possa ser banida, definitivamente!
E que leve consigo a ideia de que aquilo que não presta é coisa de pessoas de pele preta.
Sonho com o dia em que o gênero masculino não será o padrão para criação de palavras
E o homem branco e imaculado, deixará de ser o padrão para “todas as medidas
humanas”.
Devemos lutar por sociedades onde as Mulheres, especialmente as Negras, não
carreguem o mundo nas costas sozinhas.
Vislumbro no horizonte, o momento em que diremos “Nativos Brasileiros” e não
indígenas.
Quando as religiões afro serão vistas como mais uma forma de atingir a espiritualidade.
E a xenofobia, será vista como um crime a si mesmo tendo em vista que somos todas,
todos, forasteiras e forasteiros nesta terra.
Não podemos permanecer indiferentes à diversidade humana. A indiferença é a outra
face da crueldade.
Que possamos subverter a lógica de hierarquização das culturas.
Devemos extirpar o “ismo” de homossexualismo.
Assim como “fobia” de transfobia
Que seja tragado para o submundo, o ódio à pessoa pobre!
Muitas histórias poderiam ser escritas com os crimes sociais supracitados
Mas, a nossa poesia, conseguirá realizar apenas uma narrativa:
A da África que pariu o mundo e foi violentada pela ganância de seus filhos bastardos
O Continente que presenciou a transição de um ser hominizado para um ser humanizado
E que flagrou a primeira Diáspora Humana
Viu emergir os impérios mais prósperos e vastos do planeta
Mas que sofreu em silêncio ao ver os seus filhos e filhas sendo arrancados de si no
tráfico negreiro.
Toda vez que a palavra diáspora é mencionada para se referir ao rapto, ao estupro, ao
atentado,
Lágrimas manam do rosto de Nossa Mãe África.
Porque a palavra diáspora está sendo usada com a conotação de sequestro de seus filhos
e filhas!
Como se isso não fosse desventura o suficiente, as histórias do Continente Africano
foram atiradas aos cães.
Mas ressurge a cada dia!
A verdade é que a África não deu à luz apenas a mim e a você, mas também à filosofia,
a arte, e a ciência.
O eurocentrismo é um mentiroso!
Fez o mundo acreditar que tudo o que provém da Europa é universal e padrão.
E mais uma vez, isso golpeia a Mãe África!
Que por ter dado á luz as Singularidades, entende que essa universalidade busca
suprime e não agrega.
Vale ressaltar que o Continente não era de todo sublime antes da chegada dos europeus
Se a escravidão já existia lá?
Sim.
O conflito étnico?
Também.
Mas o racismo não!
E isso muda tudo!
Muda a forma como me veem!
A forma como as minhas irmãs e irmãos de cor se vêem!
Eu sei que você foi educada, educado para ter alta estima pelo homem branco europeu,
Isso também é culpa do imperialismo europeu.
Então se torna difícil para ti, reconhecer os horrores realizados pela colonização.
Vocês dizem que os povos nativos na África e nas Américas já estavam divididos, já se
escravizavam uns aos outros, como desculpa
Para apagar a podridão feita pelos colonizadores brancos,
Mas deixe-me dizer-te: Antes da expansão europeia, não havia o conceito de raça!
E esse maldito critério coloca a minha carne negra como a mais barata.
A ciência vulgar do século XIX, embriagada pelo eurocentrismo, tentou fazer o mundo
acreditar que:
A mulher branca não tem alma;
O nativo americano e os mongóis se constituíam como uma raça inferior ao homem
branco, mas nem de todo repugnante;
O homem negro, de início, era visto como outra espécie
Intermediária entre o homem branco e o primata
Os homenzinhos da ciência mentiram sobre os estudos de craniometria
Disseram que os primatas tem o crânio maior do que o das pessoas negras
E para que?
Para “provar” por meio de uma mentira científica que o negro era ainda inferior ao
primata!
Nesse banquete de desgraças, a mulher negra era servida como a mais inferior das raças
humanas.
Anos depois, os ditos homenzinhos da ciência chegaram à conclusão que os homens
negros também são seres humanos e ficaram devastados.
Também me corta o coração a indiferença com que a pessoa deficiente é tratada,
A indiferença é a outra face da crueldade
Dói falar sobre essas desventuras,
Eu sei,
Mas se o machucado não estiver exposto, não cicatriza.
Saiba que toda vez que a palavra macaco é proferida para agredir uma pessoa negra,
esse pensamento primitivo de raça, ressurge das profundezas do inferno!
Isso não te dá asco?
O seu silêncio cabe neste momento?
Grite,
Brade
Mas por favor, desça de cima do muro!
Certa vez ouvi uma história que dizia que o pecado original foi trazido pela Mulher
Ou pelo diabo que enganou a Mulher tanto faz
E desde então,
Quer dizer,
Muito antes disso,
Ser Mulher nesta terra, se tornou nascer com o peso da culpa
Numa história criada por homens
E para Homens
O Nosso Ser, foi retirado de Nós.
Ao nascer, a menina pertence ao pai
Na vida adulta, por meio do casamento, ela recebe o título de mulher mediante a benção
do marido
E posteriormente, com a maternidade, o desejo da mulher pertence aos paridos e não a
ela!
E quando há espaço para ser Mulher?
Em verdade, em verdade vos digo que essa poesia não lhe traz flores,
Trás a espada!
É o que toda palavra de libertação traz consigo!
Decidi usar a minha arte como instrumento de luta antirracista!
Que iniciará com a narrativa da África,
Tendo em vista, que esta deu à luz ao Mundo e consequentemente, a tudo que nele há!
Apresento-te o mito de criação da deusa Odudua
Que percebendo a intemperança do deus Obatalá, decidiu tomar o poder para si e criou
o mundo sozinha!
Quando o Homem percebeu o que a Mulher lhe fez
Ou será que foi o que ele fez consigo mesmo?
Ficou irado!
Foi travado um conflito violento
Mas o Amor venceu
E Odudua, triunfou.
A cabaça, que representava o Mundo criado por Ela, se partiu no conflito,
E a parte de cima se tornou o céu
E a de baixo, a terra.
Essa versão de criação do mundo não é contada na terra de Odudua
Narrativas onde as mulheres constroem não são bem vistas por homenzinhos.
É de se supor com propriedade que as primeiras histórias foram narradas pela África
Inclusive as religiosas!
Por que não podemos acreditar que existam divindades mais flexíveis do que nós, e que
se manifestam de formas diferentes?
Em diferentes culturas?
Os pais e as mães não dizem que educam os filhos de maneira diferente?
Se Nós que somos maus, tentamos respeitar a singularidade do Ser que amamos uma
divindade também não o faria?
Não trago certezas, apenas reflexões.
Porque narrativas universais incomodam
Sufocam
Mutilam
Transpassam
Violentam
Por isso que trago a espada comigo, e não flores.
Para partir a cabaça dos homenzinhos que consideram-se a si mesmos como sábios.
Romper a ordem existente é um ato revolucionário!
Que nasce com a inconformidade, do luto, da luta.
A revolução precisa vir de dentro para fora.
Dentro, porque deve te ajudar a enxergar os seus pecados primeiro, e não os de outrem!
E de fora, porque temos muitas cabaças a partir.
E a paz?
Está no horizonte, juntamente com a nossa utopia.
Ao término desta poesia posso lhe assegurar que estou em luto
Mas não temos tempo para viver o luto
Apenas a luta,
A luta será a verbalização de nosso luto coletivo
Estamos contritos, quebrantadas, quebrantados, enlouquecidos, enlouquecidas por esse
sistema dominante que nos dilacera,
Mas temos a resiliência da Mãe África!
E só essa graça,
Nos basta!
Com amor: Nínive.
Autoria: Nínive Silva